1° Saída de Campo Território Popular
Os saberes e práticas de sociabilidade de uma cidade se cristalizam a partir de suas vivências diárias e sua construção histórica, que remontam e (re)significam os laços sociais e pessoais da população com sua cidade, em conjunto com a relação criada com sua estrutura patrimonial e a representação destas.
Posto isso, a compreensão da trajetória histórica e a relação que esta mantém com o desenvolvimento atual de uma cidade são pontos de extrema importância tanto para a exclusão social, quanto para a integração da população deste território.
Assim sendo, o Coletivo de Educação Território Popular, na busca de uma maior integração dos atores anônimos da constituição atual desta cidade, realizou sua primeira saída de campo com os alunos e alunas pelos territórios negros que marcam a cidade de Porto Alegre. A busca e a compreensão destes espaços trazem um cunho político, forte e bem delimitado sobre o que o Coletivo entende como educação e suas possibilidades transformadoras. A própria oferta deste modelo de educação, chamada de não convencional, revela a preocupação de não se deixar esquecer espaços que são tradicionais para a cultura negra portoalegrense, espaços que marcam a presença negra da cidade e que é embranquecido pela política branca e positivista gaúcha, que ainda se mantém.
Com esta proposta recebemos, com muito orgulho, a professora Jéssica Melo Prestes, que estuda a constituição, construção e a resistência de diversos espaços negros da cidade. Estes espaços, normalmente locais centrais da cidade, mas desconhecidos ao mesmo tempo, marcaram a construção da cidade e sua história.
Cada ponto visitado e estudado tem sua história e referência marcados pela dor, como quando é tratado a Igreja das Dores e suas lendas, assim como o Largo da Forca, atual praça Brigadeiro Sampaio. Assim como espaços que são marcos de alegria e resistência a dominação escravista, ou mesmo resistência a sociedade racista do século XX, como os espaços do Bará do Mercado e a Esquina do Zaire, conhecida também como esquina democrática. Estes pontos, que constituíram nosso trajeto no último dia 30/04/16, trazem tanto localizações conhecidas e de grande circulação, mas que fazem parte de uma Porto Alegre imaginada, atualmente, marcada pela construção de alemães, portugueses e italianos, e não pela construção negra.
Mas a marca histórica abordada ao estudarmos esta cidade, ao menos na maior parte da explanação sobre a população negra, estava no debate das “higienizações raciais” que ocorreram durante o século XX. Este debate nos trouxe a reflexão sobre a formação dos bairros periféricos da cidade e sua construção histórica. Tal reflexão, foi alicerçada pelo relato da dona Jussara, uma das lideranças da Ocupação Lanceiros Negros, que fica no Centro de Porto Alegre, localizada no cruzamento das ruas General Câmara e Andrades Neves.
A Ocupação Lanceiros Negros surge após as remoções e as fortes chuvas que retiraram uma pequena população empobrecida que morava no centro da cidade e foram realocados para diversos pontos da Zona Norte, sem a mínima condição de vida possível. Afastados de hospitais, escolas e transporte este grupo sofreu o mesmo processo relatado pela professora Jéssica e pelos alunos. Foi a experiência mais emocionante desta saída de campo, pois nos trouxe uma realidade, que possivelmente, não era vivida pelos alunos que lá estavam, mas que marca a história de seus pais e seus avós. A Ocupação Lanceiros Negros, que marca um novo ponto da cultura e resistência negra na cidade, foi extremamente acolhedora, mas nos mostrou sua realidade.
Esta possibilidade de experiência nos traz uma relação diferente para com a cidade, buscando uma forma mais integradora de viver, e com a história da população de Porto Alegre. A saída de campo, nos apresenta uma maneira mais lúdica de ensino e aprendizagem, mas não apenas como material para exemplificações e simplificações de complicados textos acadêmicos. Nos traz uma nova forma de enxergar a cidade e como nos vemos com esta. Nos possibilita uma maior empatia com lutas e dores que diversas pessoas já sofreram, ou ainda sofrem nesta cidade e neste estado. A vivência de poder observar mais de perto o que estudamos nos auxilia para uma maior capacidade de abstração e leitura do mundo a nossa volta, possibilitando, assim, um entendimento das diversas formas de conhecimento e de se apresentar este conhecimento.
Prof. Davi dos Santos





